#6 MEDIAR: COMO VOCÊ LIDA COM AS DIVERGÊNCIAS?

por Rita Andréa Carvalho Pereira
Desenvolve a escuta e promove o diálogo, facilitando a comunicação e o protagonismo da história de cada um.

E Júlia Ramalho
Transformadora de pessoas e empresas na sua melhor versão.

A situação...
O pai é chamado na escola porque a filha curte música funk. A escola sabe que a adolescente gosta das músicas e se preocupa por ela estar disseminando músicas que sensualizam e também denigrem a mulher. A escola pede um posicionamento do pai. O que a escola poderia fazer de diferente?

A confusão... (ou o erro)
Diante de situações que revelam conflitos de valores, ideias prontas tendem a nos acompanhar e a causar ainda mais confusão. Soluções autoritárias, nas quais se procura impor determinados valores sobre outros aparecem como forma de solução para os conflitos. Ao mesmo tempo, a escuta e as adequações são ignoradas como formas de intervenção para impasses e divergências.

A Mediação
“Mediação é um método de resolução de conflitos, que se dá através do diálogo, tendo a escuta como premissa e sendo as partes assistidas por um terceiro que as auxilia para a tomada de decisões com relação a seu desacordo.” (PEREIRA, R. et al, 2014)

A Mediação é uma oportunidade para se ir adiante no processo da comunicação, é uma chance dada à palavra dita e escutada, é o resgate do diálogo como expressão ética do ser.

No caso acima, a presença do mediador, um terceiro confiável, imparcial, respeitoso, com o compromisso de transparência e sigilo, poderia ser uma aliada frente às dificuldades encontradas na divergência entre os valores das crianças e os da escola. A escola, como um microtecido social, é lugar de inovação e de aprendizagem com a diversidade. É, por excelência, um lugar de escuta. Afinal, a pluralidade é uma das interfaces da mediação, sendo mesmo uma de suas premissas.

Assim, no caso relatado, estas seriam as perguntas a serem feitas: Qual é o conflito? Qual é o interesse da escola? Será que a escola está se pautando por valores?

Vemos que há uma afirmação da escola sobre o efeito do funk: as canções desse estilo musical “sensualizam e também denigrem a mulher”. Do outro lado, temos uma criança que está disseminando essas músicas.

Ao pensar em proibir ou não o funk, em pedir uma atitude do pai, a escola deixa de fora a questão e seu personagem principal: a criança e o funk.

Ter atitude e habilidade mediadora é ser capaz de, no primeiro momento, ouvir sobre o que significa o funk para esta criança. A criança escuta o quê? A escola escuta o quê? Se há uma questão de disseminação, os colegas escutam o quê?  Para isso, seria preciso questionar outras escutas...

A discussão deveria, num primeiro momento, se restringir à busca da escola pelo entendimento do que os alunos compreendem quanto ao tema funk. Chamar os pais como autoridades capazes de proibir e insistir que tanto a família quanto a escola se posicionem apenas como lei e autoridade é deixar de lado a escuta. Nesse contexto, se a família deve ser chamada, é principalmente com um intuito colaborativo, como uma participante da questão. 

E, ainda mais importante: nenhuma proibição terá efeito sobre as crianças sem que se saiba do que elas estão falando. Ao impor seus valores, a escola não inclui a criança e não permite que esta reflita sobre aquilo que projeta e identifica na música funk. 
Por isso a mediação se torna uma habilidade importante: ela busca e encontra soluções que são, realmente, viáveis.

A habilidade de mediar pode se situar como uma prática formal da escola, ou seja, como uma habilidade de professores e diretores na solução de conflitos. Mas ela pode, também, ser aprendida desde cedo pelos alunos. Sendo um momento importante para validar sentimentos, a mediação ajuda na comunicação e na percepção do contexto: por meio dela é possível distinguir posições de interesses, causa de causa-dor, abrindo assim a possibilidade de trabalho em grupo, com soluções coprotagônicas.  

Mais do que ter adultos afirmando o que é certo e o que é errado, fazer os alunos conversarem sobre o que é despertado pela música funk na escuta de uns e de outros: através da mediação, fazer com todos ouçam e digam, dando espaço para a diferença.

A mediação e o futuro do trabalho 
Vivemos numa sociedade digital e, em breve, veremos transformações tecnológicas exponenciais. Isso quer dizer que estas transformações continuarão acelerando também as mudanças da nossa sociedade. Lidar com as divergências de valores e visões será, assim, mais e mais uma atitude necessária.

A habilidade de mediar será como a capacidade de fazer junto. Ao invés de apostar no conflito e na dominação, se apostará no diálogo e na escuta. Precisaremos, cada vez mais, de coprotagonismo: pessoas capazes de construírem soluções juntas e de lidar com as diferenças. Esse é o grande desafio.

A complexidade da habilidade é anunciada como uma nova profissão. Desde 2014, a mediação se tornou uma profissão reconhecida e aceita, inclusive, nos tribunais do Brasil. Este movimento sinaliza como a mediação será, cada vez mais, a protagonista para a solução de conflitos, dependendo de pessoas abertas ao diálogo e preparadas para a construção conjunta de soluções para as divergências.

Seis dicas para desenvolver a habilidade mediadora
A mediação, como profissão, exige uma formação como mediador. Mas a habilidade de mediar pode ser desenvolvida por meio de outras habilidades que lhe são fundamentais:

1 - Escutar-escutar-escutar: a arte de ouvir é complexa e constitui a base de todo processo interpessoal. A mediação, portanto, não pode negligenciar o papel da escuta. Reveja o que falamos no blog sobre saber ouvir: http://designersdofuturo.blogspot.com.br/2017/06/4-escuta-voce-sabe-mesmo-ouvir.html

2 - Desenvolver empatia: essa delicada arte de sentir a dor do outro e conseguir calçar os sapatos dele permite o avanço da mediação. Nós também já falamos sobre a empatia aqui no blog, confira:
http://designersdofuturo.blogspot.com.br/2017/06/5-empatia-voce-consegue-sentir-dor-de.html

3 - Reconhecer que o subjetivo (tudo aquilo que é próprio do sujeito ou a ele relativo) tem que ser levado em conta e respeitado. Aqui, o importante é desacreditar da ideia de que se sabe de antemão o que o outro pensa. Mais ainda: de que ele próprio já sabe tudo sobre seu querer. Nessa perspectiva, é preciso provocar o outro para que ele fale mais e reconheça seus valores, crenças e desejos que estão em questão.

4 - Respeitar a diversidade é bem mais que acolher as diferenças: é abrir-se para aquilo que ainda não se sabe, para aquilo que não se compreende. Afinal, retomando nossa situação, o que é o funk para as crianças?

5 - Abrir mão do lugar de colonizadores: para isso, é preciso acreditar que o outro sabe a resposta. Dar crédito ao saber do outro é despir-se da ideia de que a minha verdade é absoluta. A escola “sabe” que ouvir funk é errado e que deve “ensinar” as crianças a não ouvirem, responsabilizando também os pais neste processo. Será? Por que isso é uma verdade? Onde estão a escuta e a empatia? E o reconhecimento da subjetividade e do “saber” do outro?

6 - Desenvolver a hospitalidade. Para a mediação, é essencial criar um espaço de acolhida: é preciso abertura, informalidade, pensadas desde o espaço físico para que aqueles que já estão fora de suas zonas naturais sintam-se confortáveis. Se abrir para a mediação é, portanto, criar também fisicamente um espaço para a abertura e a escuta, um espaço em que todos estejam presentes para ouvir.

Além dessas habilidades, pode-se ainda aprender técnicas e ferramentas de mediação através de cursos de formação na temática. Entre estas, destacam-se a escuta ativa, o parafraseio, o espelhamento, o resumo, as perguntas abertas, a redefinição de conotação positiva. A mediação, como se vê, é uma atividade tão complexa que, por isso, além de habilidade se tornou também profissão.

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Sobre as autoras:

Rita Andréa Carvalho Pereira reside em Belo Horizonte (Brasil) e ajuda pessoas e empresas na mediação de conflitos, na promoção da comunicação e a assumirem o protagonismo das próprias vidas. Faz isso há mais de 30 anos através de atendimento em clínica. Possui formação em Psicologia, Psicanálise e Mediação. É Executive Master en Mediación e Negociación pelo Institut Universitaire Kurt Bösch-in Sion-Switzerland - (IUKB) y Programas de Estudios de Postergado (APEP). Como gestora, dirige o Instituto de Mediação Aplicada (IMA/MG, www.imainstituto.com.br). É Mediadora Judicial capacitada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (TJMG/EJEF). Realizou projeto de pesquisa-ação em Mediação Escolar no Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais (CP-UFMG), criando o Centro de Mediação (2013-2015). Integrante da Comissão Organizadora do Fórum de Mediação de Conflitos, do Núcleo de Estudo, Formação, Pesquisa e Intervenção vinculado ao Programa de Mediação de Conflitos – Secretaria de Estado e Defesa Social (SEDS-MG), em BH, 2013. Organizadora e Coordenadora do I Colóquio sobre Resolução de Conflitos na Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), em Diamantina, 2014. Coordenadora e autora do livro Mediação de Conflitos: a emergência de um novo paradigma (Ed. Del Rey, 2014). Organizadora e Coordenadora dos I, II e III Seminário Internacional sobre Mediação de Conflitos. Participa do grupo Designers do futuro através de discussões sobre o impacto dessas tecnologias nas carreiras e na sociedade.


Júlia Ramalho reside em Belo Horizonte (Brasil) e ajuda pessoas e empresas a revelarem o seu melhor, ao clarear propósitos e manter foco nas ações necessárias. Faz isso há mais de 18 anos através de atendimentos em clínica e em coaching. Possui formação como psicóloga, coach e administradora, sendo também mestre nesta última área. Desde 2005 vem investigando as novas tecnologias e seus impactos para o trabalho e as futuras gerações. Como gestora, dirige a Estação do Saber (www.estacaodosaber.com) e foi presidente fundadora da International Coach Federation – Chapter Minas. Coordenou projetos de discussão sobre as novas tecnologias (ETC_BH, 2009 a 2013) e de transformação da nossa cultura e sociedade (Estação Pátio Savassi, 2005 a 2013). Atualmente, vem se dedicando à construção de uma metodologia de orientação de carreiras através de conhecimentos de coaching, design thinking e análise de forças tecnológicas como inteligência artificial, internet das coisas e realidade virtual, dentre outras. Coordena e participa do grupo Designers do futuro, que tem por objetivo promover discussões sobre o impacto dessas tecnologias nas carreiras, na gestão e na sociedade.

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